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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Corrida descalça traz polêmica para as pistas

No último domingo, o repórter Carlos Albuquerque, da editoria de Ciência e Saúde, aqui do Globo, fez uma ótima reportagem sobre a polêmica de correr descalço ou não. Leiam e tirem suas conclusões.

Foi uma notícia de impacto, para deixar muita gente com o pé atrás. Um estudo da Universidade de Harvard, divulgado semana passada pela revista “Nature”, sugere que correr descalço pode ser bom para os pés por causa da forma como eles atingem o solo, bem diferente do modo como isso acontece quando a pessoa está calçada. Embora não seja o caso de jogar fora aquele tênis bacana, comprado recentemente, e sair descalço pelas pistas da cidade, a pesquisa reforça a crescente discussão sobre o tema — correr com tênis versus correr descalço — e pode ajudar a colocar uma pedra no sapato da indústria esportiva.


Na pesquisa, a equipe liderada por Daniel Lieberman, professor do Departamento de Biologia Evolutiva da Universidade de Harvard, analisou o desempenho biomecânico de corredores nos Estados Unidos e no Quênia. Os pesquisadores descobriram que, embora as pessoas corram de formas distintas, a maior parte dos que correm descalços tem a tendência de tocar o chão primeiro com a parte central ou a frente do pé, o que Lieberman chama de “pisada frontal”. Já 75% dos corredores que usam tênis pisam primeiro no solo com os seus calcanhares. Os autores do estudo sugerem que esse movimento pode ocasionar lesões.

— O que nos motivou para essa pesquisa, que levou três anos para ser concluída, foi uma pergunta bem simples: “Como os humanos corriam antes dos tênis?” — conta Lieberman. — Para isso, recrutamos, nos Estados Unidos, pessoas que correm tanto descalças como usando tênis, e as colocamos numa pista interna, filmando seus movimentos. Na África, fizemos o mesmo, realizando os testes e as gravações em pistas ao ar livre.

O estudo indica que pisar com a frente ou a parte central do pé requer mais força na panturrilha e nos músculos dos pés, mas por outro lado oferece também “uma pisada mais suave, menos impactante”. A evolução, segundo os autores, ajudaria a explicar isso, já que o pé do gênero humano desenvolveu o seu formato característico há quatro milhões de anos, talvez mais, em resposta à caminhada descalça, aprimorando posteriormente sua anatomia por causa da necessidade de correr distâncias maiores, há dois milhões de anos.

— Esse tipo de pisada frontal pode ser considerada mais natural, na medida em que todo mundo (no caso, hominídeos) corria assim há dois milhões de anos — explica o pesquisador. — Verificamos que aqueles que correm descalços sofrem um impacto menor quando tocam o solo. Por isso, nossa hipótese é que esse jeito de correr pode ser bom para as pessoas, estejam elas correndo descalças ou não. É importante ressaltar que esse não é um estudo sobre danos aos pés e que precisaríamos de mais dados para afirmar que correr descalço é melhor do que correr calçado. Mas será interessante acompanhar as próximas pesquisas nesse sentido. É um tema que ainda vai render boas discussões.

Nos Estados Unidos, o assunto já tem rendido boas e acaloradas discussões. Parte delas gira em torno do livro “Born to run”, do jornalista e ex-correspondente de guerra Christopher McDougall, lançado ano passado. Após sofrer lesões ao correr, o autor optou por aposentar os tênis e reuniu uma série de histórias e estudos para justificar sua decisão. Segundo os trabalhos citados por McDougall, pelo menos um em cada três corredores sofre anualmente lesões nos pés. Isso ocorreria porque a parte posterior dos calçados esportivos, geralmente elevada para propiciar conforto, altera a pisada do corredor, levando-o a jogar mais peso do que o recomendado sobre o calcanhar. Assim, o tênis enfraqueceria tendões e ligamentos, tornando-os mais suscetíveis a lesões.

— Temos que lembrar que os tênis de corrida, desenhados com a ajuda da bioengenharia, só começaram a aparecer nos anos 70 — ressalta o pesquisador William Jungers, do Departamento de Ciência Anatômica da Universidade Stony Brook, em Nova York. — Eles foram feitos assim para amortecer o calcanhar para o impacto e ajudar a estabilizar a pisada. Pisar com os calcanhares é bastante doloroso e é por isso que os corredores descalços evitam fazê-lo.

De acordo com Jungers, que comentou o estudo para a “Nature”, embora ainda associada a um modismo, a corrida descalça ou com um mínimo de proteção já tem praticantes entusiasmados nos Estados Unidos.

— Tanto é que a indústria dos calçados esportivos já começa a responder a isso, como é o caso dos tênis Five Fingers da Vibram. A Nike também está produzindo calçados minimalistas para corredores — diz Jungers.

Mas a polêmica caminha, lado a lado, com esse tipo de estudo. O pesquisador Rogerio Teixeira da Silva, mestre e doutor em Ortopedia e Medicina Esportiva pela Unifesp, por exemplo, critica a metodologia do trabalho de Harvard.

— Acho que a metodologia desse trabalho é discutível. Teria que ser estudado um número bem maior de pessoas. Além do mais, é um trabalho de biomecânica, não um estudo clínico. Falta, ainda, a média de peso dos atletas. O biotipo do queniano é diferente do americano. São coisas que podem influenciar os resultados. Dessa forma, não vejo como incorporar isso no dia a dia.

Embora ressalte que a corrida descalça possa tornar a circulação de sangue mais eficiente e seja “de fato, mais natural”, o coordenador do Centro de Estudos em Medicina da Atividade Física e do Esporte (Cemafe), Turíbio Leite, ressalta que a prática não é para todos.

— Acredito que o correr descalço resgate alguma coisa natural, desde que, evidentemente, exista um solo favorável onde a pessoa vai pisar. Mas é diferente e mais complexo pensar nisso nos dias atuais e na vida urbana. Muita gente começa a correr porque está com excesso de peso. Se ela for correr sem um tênis apropriado, capaz de amortecer o seu peso, ela vai ter prejuízo com isso.

Não alheio à polêmica, Daniel Lieberman concorda que correr descalço não é para qualquer um:

— E quem quiser fazer a transição, deve fazê-lo com muito cuidado. Mas no final são os corredores que decidem a melhor forma para se exercitar e se divertir. Ainda há muito o que aprender sobre isso.



Juliano Machado
Mestre em Fisiologia da Performance (UFPR - 2010)
Especialista em Fisiologia do Exercício (UFPR - 2009)
Especialista em Fisiologia do Exercício (Gama Filho - 2008)
Licenciatura Plena em Educação Física (UNIVILLE - 2006)
Personal Trainer, jumachado17@yahoo.com.br

Referências

Um comentário:

  1. Oi Juliano!

    Excelente blog! Parabéns!
    Você pediu para publicar um texto escrito por mim no Fique Informa, desde que coloque os créditos pode copiar o que quiser. Meus dados estão disponíveis clicando aqui.

    Um abraço

    Denise Carceroni

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